domingo, 30 de janeiro de 2011

Um Mundo Cinza


Tradicionalmente, os enredos de jogos de videogame são apresentados de uma forma maniqueísta. Um mundo preto e branco no qual o jogador sempre sabe de qual lado está (via de regra, no lado que o jogo facilmente identifica como sendo o lado do “bem”). O antagonista é apresentado como o mal encarnado, que age apenas de forma corrupta, enquanto o protagonista combate esse ser maléfico através de atos de pura virtude.

Mesmo quando os jogos apresentam “anti-heróis”, até os atos moralmente mais condenáveis do protagonista são facilmente justificados diante das circunstâncias.

A partir do momento em que os jogos passam a conferir maior interação do jogador, surgem as possibilidades de escolha dos atos, naquilo que popularmente ficou conhecido como “decisões morais”. Diversos jogos recentes passaram a adotar essa figura. Na maioria das vezes, contudo, isso não foi capaz de quebrar o maniqueísmo do enredo.

Bioshock pode conceder ao jogador a opção de salvar as “little sisters” ou “consumi-las”. Pode até mesmo procurar atrair o jogador para opção que implica a morte das crianças com uma recompensa atraente, mas ninguém em sã consciência tem dúvida de qual ação é a mais “correta”. Em raras oportunidades, Niko Bellic tem a opção, em GTA IV, de eliminar alguém, ou poupar a vida do alvo, mas dada a opção entre misericórdia e fuzilamento de um homem rendido, é difícil imaginar que alguém possa ter dúvida razoável de qual ação é moralmente mais correta.

Mas se um jogo deseja reproduzir conflitos e decisões morais, é necessário ao menos que seja capaz de criar um conflito moral no jogador a respeito de sua decisão, caso contrário vira apenas um simples estratagema para saciar a curiosidade do jogador a respeito “do que aconteceria” caso uma ou outra decisão fosse tomada.

Até mesmo jogos que procuram dar várias opções de abordagem ao jogador, como Mass Effect ou Fallout 3 sentem a necessidade de, ao menos, “quantificar” a decisão moral do jogador de tal forma que o jogador saiba se está seguindo o caminho do “bem”ou do “mal”. A franquia Fable, desde sua origem, além de deixar claro para qual lado do espectro moral as decisões do jogador pendem, não apenas as quantifica como ainda as reproduz esteticamente na aparência do personagem.

Mas decisões morais, contudo, não costumam ser um conflito entre o preto e o branco. Se assim fosse, não se estaria diante da necessidade de uma decisão. A escolha seria evidente. Os problemas surgem porque não raras vezes as decisões morais são apresentadas nas mais variadas matizes de cinza.

Pode ser exagero esperar que um jogo seja capaz de reproduzir a complexidade das decisões morais de um ser humano, mas nada impede que seja capaz de propor dilemas ao jogador que colocam suas decisões nessa tradicional zona “gris”.

The Witcher é um título emblemático nesse aspecto, já que é capaz de propor conflitos contínuos para o jogador cuja solução correta simplesmente não existe, e mesmo quando o jogador experimenta as variadas possibilidades de solução, é possível que após ver as consequencias de seus atos ainda assim não seja capaz de assinalar qual decisão seria melhor. Como os jogos sempre criam situações limítrofes, as possibilidades de criação desse tipo de cenário são muito amplas e lentamente começam a ser exploradas pela indústria. Pode ser desde uma decisão entre salvar a vida de uma inocente exposta ao risco por culpa do jogador ou a de centenas de desconhecidos igualmente inocentes, como ocorre em Alpha Protocol, ou decidir se alinhar a diversas facções em Fallout: New Vegas, todas elas com seus prós e contras, ou ainda se dividir entre por em risco a própria vida para salvar a de seu filho, como em Heavy Rain.

Há um potencial ainda muito grande para ser explorado dentro dessa zona cinzenta que forma o espaço das decisões morais que podem ser apresentadas ao jogador, sem que isso diminua o escapismo natural que se espera de um jogo de videogame, mas possibilidade maios imersão e ligação emocional do jogador com aquilo que se passa na tela.

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